Isso é um sonho ou uma lembrança?

A portinhola da taverna se abre rápida como uma bola de fogo ativada por uma armadilha dentro de uma masmorra. Uma pessoa passa por ela, passos ligeiros e leves quase como se não tocando o chão.

É um bufão com roupas bem coloridas, ajeitando o cinto com uma de suas mãos e com a outra cumprimentando por quem ele passava, unido a um gigante sorriso no rosto e ágeis piscadas. Muitos ali se entreolhavam como um ar de “Quem é ele?” ou “Você o conhece?”.

A própria taverna se mostra bem simples, nada muito aconchegante aparenta por ali. A escada no fundo que leva para alguns quartos na parte superior do local, não se assemelha a algo lá muito seguro. Por lá temos alguns poucos viajantes ou aventureiros ali sentados, bebendo e conversando. Assuntos baixos, quase sussurros. A necessidade de silêncio naquele local demostrava o cair de uma agulha.

O bobo puxa uma cadeira de faz parte do pequeno conjunto de uma mesa que está bem no meio da capenga taverna. Ao arrastar o assento, um barulho agudo cresce lá dentro.

­— Ooops…

Diz o bufão todo sem jeito, enquanto todos da taverna o queimavam com o olhar e lançavam um breve e baixo gracejo a sua mãe.

— Tenho total certeza que essa não foi primeira vez e nem será a última que te vejo fazer algum barulho e necessário em algum lugar.

Na mesa uma criança élfica ajeitando uma palha para colocar em seu velho cachimbo. E isso faz com que o bufão seja ainda mais mal visto ali na taverna. A criança afofa a palha e coloca na haste do cachimbo. Esfrega a unha na mesa até fazer uma pequena chama na ponta de seu dedo, aproxima a chama da haste e leva o corpo do cachimbo até a boca.

Três humanos sentados na mesa ao lado trocam olhares de dúvida, nem por reprovação por ver uma criança fumando em uma taverna, e sim do motivo dela estar fumando um cachimbo ao contrário.

— De novo o cachimbo? – Diz o bufão.

Depois de algumas poucas tragadas, a criança faz uma careta de reprovação.

— Eu odeio esse sabor amadeirado. – O pirralho fala e logo em seguida dá umas belas mordidas no cachimbo o engolindo após algumas dentadas.

Com um gesto de desgosto o bobo mexe a cabeça para o lado e de relance vê os três humanos olhando para a criança.

— Então quer dizer que por todo esse tempo em que os senhores estão se aventurando, nunca viram uma criança mascar um cachimbo? – O bufão indaga.

Eles novamente se entreolham e retornam para as suas refeições na mesa. Começam a comer rápido para sair logo do local.

Um deles para de comer e coloca a mão dentro de sua boca. Ele parece cutucar algo que está entre os seus dentes.

De dentro dos seus lábios é tirado uma peça pequena de haste de um cachimbo bem pequeno. O aventureiro olha para o seu prato, nele está um enorme ensopado de cachimbos.

Com um pulo, ele sai correndo da taverna empurrando mesas e cadeiras até a porta. Os seus companheiros acompanham os passos do amigo e também saem da taverna. Aos gritos, a linda moça que atendia as mesas pede o retorno deles para o pagamento. Devidamente ignorada.

A maioria das pessoas ali na taverna se levantaram para ver para ondem os rapazes iriam, alguns até saíram em busca deles para tentar ajudar a taverna meio capenga, a garota da taverna vê tudo acontecer de dentro. Mas a criança e o bufão se mantem inertes a tudo aquilo.

O bobo parece não se importar com nada do que acontece, levanta o braço para chamar alguém que possa atender eles no meio daquela confusão toda. A garota meio tristonha caminha até eles secando algumas lágrimas já quase secas no canto dos olhos.

— Bem… Coisas estranhas sempre tendem a acontecer em locais de pouco movimento. Recomendo que em algum futuro próximo contrate capangas para ficar na porta. Hynnes são bons nisso. – Disse o bufão com um ar de desapresso pela situação da jovem. — E mais um outro conselho…

Ele se levanta, leva o dedo indicado esquerdo e toca a bochecha da garota, com um leve movimento ele direciona a cabeça dela para a direita.

— Vê aquele brutamontes… Cuidado, ele vai urinar em quase toda a taverna…

— Por quê acha isso? – Indagou a garota mantendo a conversão com o canto dos olhos, pois tentava voltar a cabeça para o mesmo lugar só que o dedo do bobo não a deixava.

— Tenho certeza que ele já entornou muito canecos…

— Sim, mas o banheiro está próximo a ele, por mais que se pareça com alguns guerreiros tribais ele não seria tão mal educado a esse ponto… Ou será?

— A confiança que impera em teu coração é tão belo e puro, pena que será manchado com a urina daquele mamute.

A garota deixa alguns itens na mesa dos dois e seque para a parte interna da taverna, algum tempo depois retorna com um balde e um esfregão deixados próximo ao possível homem mijão.

O individuo corpulento, alto e bem espaçoso. Mal cabia na cadeira em que estava sentado. Seu bumbum ficava sambando na cadeira para saber em qual dos lados ficaria menos desconfortável. Ao ver a garota passando para o fundo da taverna, ele esticou um dos braços e pegou uma cadeira da mesa ao lado. Dessa forma conseguiria sentar em duas cadeiras e não sentiria mais o incomodo do desequilíbrio. Ele tirava pequenos pedaços de pão e mergulhava no ensopado para dar um pouco mais de sabor a comida.

Logo depois de deixar o esfregão ao lado do grandalhão, a moça retorna para a mesa do bufão e da criança olhando sempre para o marmanjo, mesmo que algumas mesas e cadeiras entrem em seu caminho durante o percurso.

— Com essa correria toda, acabei me esquecendo de anotar o pedido de vocês. O que desejam? – Diz a garota corada e com uma leve falta de folego.

— Eu quero muito o sangue de um javali em um crânio de mamute. Mas pode me trazer só leite de cabra. – De uma forma calma e simples a criança faz o seu pedido, mesmo vendo o rosto da garota da taverna mudando de um grande sorriso para algo como uma careta com antojo a sua escolha.

— Só um vinho, o mais barato. – Diz o bobo não tirando os olhos do brutamontes.

— Claro, trarei os pedidos o mais rápido possível.

O bufão coloca a mão em um de seus sacos de couro e tira vinte moedas de ouro.

— Aposto essas vinte moedas que você não vai se levantar até terminar essa sua caneca de cerveja? – Com uma simpatia estonteante o bobo olha diretamente nos olhos do elfo que se senta ao lado e coloca as moedas na mesa.

— Sabe que posso tomar tudo isso em um só gole, não sabe? – Afirma o elfo.

— Será mesmo que consegue?

— Posso te provar isso agora…

Logo ao colocar a mão no caneco a garota da taverna solta um grito que todos lá dentro poderiam ouvir alto e claro.

O brutamontes havia engasgado com um pedaço de pão do seu ensopado. Ele gruía como um porco para tentar ao menos ter um pouco de ar para respirar, todos da taverna se aglomeravam em torno dele sem saber o que deveria ser feito. O elfo em suas andanças por Arton, o deu essa descoberta. Ele só precisaria ir lá e ajudar o marmanjo, na sua mão ele só precisava beber um gole para ficar com as vinte moedas.

O ronco do brutamontes se intensificava mais a cada momento e a angustia por tentar ajudar ele aumentava ainda mais dentro do elfo. Ele apenas precisava tomar um último gole daquela caneca só que os horríveis sons ecoavam em sua mente.

Ele não conseguiu.

Gritou para que alguém levantasse o brutamonte, ele correu em direção com o punho serrado e o golpeou bem próximo do umbigo. O homem corpulento se estremeceu com o golpe, se encolheu e expeliu o pedaço de pão que caiu na caneca do elfo.

Logo depois de cuspir o pedaço de comida o mais longe que pode, o brutamontes se escora em uma pilastra, puxa uma lufada de ar e quando o corpo relaxa, ele se urina todo. Consequentemente sujando grande parte da taverna.

— Que pena não é mesmo. Foi por pouco. – Declara o bufão pegando as moedas que estão na mesa.

O elfo se irrita, coloca a mão em um dos bolsos, pega algumas moedas, deixa no balcão da taverna e sai. A maioria das pessoas da taverna tentam ajudar o brutamontes a se recompor e o rosto de desânimo da garota da taverna quase impregna o local, assim como o odor de urina.

— Por que estamos aqui mesmo? – Pergunta a criança roendo as unhas do pé direito.

— Eu realmente não me lembro agora. Mas talvez fique para a próxima vez que nos vermos. – Dando de ombros o bobo.

— Nos vemos na minha casa?

— Sabe que eu odeio lá, não sabe?

— Por isso sempre fugia para o Palácio da Paz…

— Talvez…

Os dois se levantam e passam pela portinhola da taverna.

Douglas “Quem é Hynnin?” Dias

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