Ordem ou azar, tanto faz

Como pontapé inicial do nosso conteúdo voltado ao Reinado e a T20, iremos começar com um conto escrito pelo nakama e colaborador Luís Arevalo.

Dá uma passada nos perfis dele para conferir mais conteúdo legal, não só de Tormenta, mas também contos de WoD e muito mais.

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Gauvant xingou quando sua espada partiu ao meio depois de bater com tudo no escudo velho do Orc das montanhas. Era uma arma nova e, supostamente, forjada pelo melhor dos mestres anões de Doherimm.

— Pra Tenebra com isso. — O cavaleiro resmungou e pulou em cima de seu oponente.

A espada do Orc quase encontrou o peito de Gauvant pouco antes dele se chocar contra ele, mas por alguma sorte aleatória o brilho do sol da manhã refletido no peitoral de aço da armadura do cavaleiro, cegou a criatura e prejudicou sua mira.

Em um momento como aquele Lothel, o clérigo inútil que os seguia, diria que Azgher desejava a vitória do cavaleiro. Gauvant e seu amigo Roan, o bardo das galinhas, sabiam que aquilo não podia estar mais longe da verdade.

Orc e homem rolaram pela trilha da montanha trocando chutes e socos. Enquanto isso Roan aproveitou para acalmar os nervos dos cavalos e ficar ao lado do clérigo inconsciente enquanto Gauvant fazia o trabalho duro. Aquele era o último dos cinco Orcs selvagens que os haviam emboscado naquele pedaço traiçoeiro da trilha que serpenteava as montanhas em que se encontravam.

O cavaleiro ficou de pé e viu o Orc ainda tentando recobrar o equilíbrio. Era sua chance, ou teria sido se o vento não tivesse escolhido aquele exato momento para soprar com uma força tal que fez sua capa de viagem se enroscar em suas pernas, o fazendo tropeçar feito um bêbado idiota. Pior que isso, a adaga em seu cinto de alguma forma escapou e foi parar bem aos pés de seu inimigo.

— Arks orkso naghr! — O Orc grunhiu em seu dialeto selvagem. Gauvant não sabia falar a língua Orc, mas o sorriso sádico na cara daquele ser lhe deu uma ótima ideia da mensagem por trás das palavras.

O cavaleiro viu que estava encurralado na margem da encosta e tirando seu escudo nas costas, estava completamente desarmado. Olhou para o céu e cuspiu um pouco de sangue da sua boca.

— Não me interessa qual dos dois vai ser, mas uma ajuda agora seria muito bem-vinda. — Resmungou e cerrou os punhos.

O Orc avançou esbanjando coisas em sua língua que não interessavam a ninguém além dele mesmo. E foi nessa exata hora que uma águia sobrevoou os combatentes, deixando cair dentre suas garras um pedaço da carcaça de sua última presa. Aquilo entrou goela abaixo no Orc e ele parou de imediato o seu ataque mortal. Engasgado, deixou a adaga cair e levou as mãos até a garganta em um ato de completo desespero.

Gauvant nem se deu ao trabalho de tentar entender o que tinha acontecido, pegou sua arma e atravessou a ponta de metal na cabeça do Orc desamparado, dando um fim à luta. Depois de recobrar um pouco de suas energias o cavaleiro descartou o resto de sua espada, guardou a adaga e cobriu o corpo do inimigo com sua capa. Nem mesmo um Orc merecia ser deixado ali daquela forma.

Encontrou o bardo, clérigo e os cavalos.

A curiosa trupe seguiu seu rumo sem demora, o caminho para Tapista através das montanhas uivantes era longo e perigoso.

Em cima de um dos cavalos Lothel finalmente recobrou os sentidos, ainda com a dor na cabeça onde um dos Orcs o havia atingido com uma pedra. A primeira coisa que viu foi o símbolo desenhado no escudo do cavaleiro que conhecia já a umas semanas. Era um símbolo curioso. Uma balança como a que paladinos de Khalmyr exibiam. Mas ao invés dela ter uma espada por trás, a balança média dois dados. Um de cada lado.

— Você bem que podia me contar a história por trás desse símbolo, Gauvant. — Ele disse, descendo do animal. Ali era melhor que os três guiassem os cavalos se desejavam tê-los quando a trilha os leva-se de volta ao chão.

— É uma lenda bem interessante. — Roan disse entre risos. — Muito melhor do que a cantiga que me deu a fama de “O bardo das galinhas”. — Suponho que seja melhor ouvi-la de um bardo do que do túmulo silencioso que é o nosso amigo cavaleiro.

Gauvant não deu importância ao diálogo. Não gostava de contar a história sobre a maldição de sua família, mas também não se dava ao trabalho de manter o assunto em segredo.

— Como bom clérigo de Tanna-Toh, você deve saber sobre a história da aposta entre Khalmyr e Nimb. — O bardo continuou.

Lothel conhecia a história. Nimb teria escolhido um dos paladinos mais devotos de Khalmyr e feito o caos afetar cada um de seus dias. A ideia era simples. Se o homem não suportasse a mazela de viver sempre à sombra da mais completa aleatoriedade e implorasse ao Deus do azar para ser poupado, Nimb venceria. Se o paladino morresse sem desistir de seus ideais, Khalmyr seria o vencedor.

Na verdade, muitos viam aquilo apenas como uma parábola que falava sobre o erro de assumir riscos desnecessários. Pois Khalmyr perdeu a aposta no momento em que a aceitou. Se o Deus da Justiça e da Ordem aceitava a verdade do resultado gerado por algo tão aleatório quanto uma aposta, o que isso dizia sobre qual aspecto da criação era mais importante para Arton?

— Só que o que poucos sabem é que a lenda era muito real. — Roan continuou a explicar.

— O paladino se rendeu e pediu auxílio à Nimb. Khalmyr o abandonou por sua falta de convicção e Nimb, como muitas vezes faz, não pensou mais sobre a aposta ou sobre o pobre paladino caído.

— E o que aconteceu com ele? — O clérigo questionou.

— Viveu mais alguns anos. Amaldiçoado ainda, mas viveu. Conheceu uma mulher com a qual teve dois filhos, ambos que passaram a carregar a sua maldição. Só que de uma forma um pouco diferente.

— Diferente como?

— Um dos filhos recebeu a bênção de Khalmyr e o outro a de Nimb. Os filhos de cada um deles também vinham aos pares, cada um com uma benção e assim tem sido até os dias de hoje. A maldição do cavaleiro da aposta, é como muitos bardos chamam esta história.

Lothel olhou com uma nova perspectiva para Gauvant.

— Qual das bênçãos ele carrega? — Perguntou ao bardo.

— Veja o símbolo no escudo. Preciso mesmo responder?

— Mas, não entendo. Pensei que ser os de Nimb e Khalmyr não se entendiam um com o outro. Porque ele está indo para Tapista salvar o irmão?

Gauvant parou de andar, pela primeira vez dando atenção para a conversa dos dois companheiros de viagem. Mas não olhou para nenhum deles ao responder.

— Porque Khalmyr não vive sem Nimb, assim como o Caos nada significa sem a Ordem. Um não vive sem o outro e isso também se aplica na maldição que recebi de minha linhagem.

Nem Lothel ou Roan disseram nada. O bardo apenas sorria diante da cara confusa do clérigo.

— Agora, se já está satisfeito com as histórias de minha vida, sugiro que calem a boca e prestem mais atenção aos sons à sua volta. Creio que os Orcs que matamos tinham amigos e eles estão nos esperando logo na curva desta trilha maldita.

Os três seguiram calados. O caminho até Tapista ainda seria longo e cheio de oportunidades para que os três aprendessem mais sobre cada um. Isto é, se sobrevivessem tempo suficiente para isso.

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